Sofia Sá da Bandeira: "Não ligo nada à idade"
Fez novelas em épocas distintas, que diferenças nota com a chegada da TV Globo?
Já em Perfeito Coração tinha notado diferenças ao nível da construção do texto. As cenas muito explicativas horrorizam-me porque preparam o público como se fosse estúpido, que não é, e torna as cenas enfadonhas, o que é triste. Agora está mais interessante, mesmo para os actores. Era uma chatice estar ali a encher chouriços, como se diz (risos). Em Laços de Sangue, há consistência na estrutura dos jogos entre as personagens, que não são tão lights a nível psicológico.
Esteve fora das televisões e parece que a redescobriram no remake de Vila Faia.
Tive vários convites antes, mas recusei porque queria fazer outras coisas como escrever, fiz outro livro a seguir às crónicas [Quase Nós]. Fiz também umas séries com franceses. Aceitei Vila Faia porque achei interessante, era a primeira novela portuguesa e havia um carácter afectivo.
Não se sentiu esquecida?
Não, não estava nem aí.
Vai estar em duas frentes, acumula Laços de Sangue com a série da RTP1 Voo Directo.
Na série fiz uma participação especial, uma editora de moda, rígida, pouco simpática, mas que depois revela um lado mais frágil.
O que é que a Adelaide da novela da SIC tem de particular?
Não tem qualquer censura no cérebro, está muito mal e acaba por se desresponsabilizar desse mal-estar. É tão diferente do que sou que acaba por ser um exercício muito interessante. Ela é um touro, rompe com tudo, está-se nas tintas para os outros e para o que pensam. Diz o que os outros não dizem. Tal como muitas mulheres e homens na vida real, desiludiu-se e desresponsabilizou-se. Mais de 80% das pessoas vitimizam-se.
Alguma vez se sentiu neste ponto em relação ao amor ou à vitimização?
Não, nunca. Por isso é que não me identifico. Tenho de me afastar de coisas minhas e trabalhar para me tornar mais infantil em alguns aspectos, o que para um actor não é nada fácil.
Como se preparou?
Falei com duas pessoas que passaram pela dependência do álcool e que faziam cenas do tipo de levarem os amantes para casa, de estarem eufóricas e depois terem grandes depressões. Uma delas está muito doente e a outra conseguiu largar com a ajuda de todos e continua casada. Aliás, toda a família teve de se envolver, fazer terapia de grupo e entrar num jogo de vítima, de salvador e depois de perseguido. É preciso o parceiro deixar o alcoólico caído, com o vomitado em cima e o tratamento consiste em cortar esse jogo todo. É muito difícil fazer este papel porque é preciso subtileza, o verdadeiro alcoólico nunca está a cair, está sempre no limbo.
Elas estão a gostar de a ver na novela?
Falei com uma que está a gostar.
Como gostava que a Adelaide acabasse?
Gostava que crescesse e pudesse usufruir mais do prazer da vida e estar menos zangada com o mundo à sua volta.
Vai agitar consciências?
Vai irritar algumas pessoas, homens e mulheres. Com a personagem do Ricardo [Carriço] ela vai assumir um papel um bocadinho masculino, fálico... e isso vai irritar muita gente. Muitas mulheres também gostariam de fazer como ela, mas vão perceber que não têm coragem.
A Sofia tem 46 anos e a Adelaide 55. Como se sente?
Acho que se enganaram nas idades porque ela pode ter um bocado menos. Para ter um filho de 30 pode perfeitamente ter 50 anos.
Isso perturba-a?
Se fizer contas, sei a minha idade, mas não ligo nada à idade cronológica das pessoas, ligo à emocional. Até porque tenho uma avó com 91 anos, Maria Helena Branco, que continua a fazer tudo. Ela capotou o carro há dias, partiu a clavícula. Telefonei-lhe e ela já queria fazer coisas. "A clavícula foi ontem, hoje é outro dia. Tenho de continuar as minhas aulas", disse-me. Ela é uma referência para mim, porque afinal o que conta é o presente. Ela tem uma vitalidade incrível, levanta-se às cinco da manhã, trabalha 12 horas por dia. Dá aulas de piano e foi ela quem introduziu o ioga em Portugal.
Tem companheiro?
Não falo sobre isso.
Voltaria a casar?
Não sei, não respondo a esse tipo de perguntas.
Como se dá com o Nicolau [Breyner, ex-marido] e com o pai dos seus filhos?
Dou-me muito bem com o Nicolau, somos amigos. Ele tem uma característica espectacular, é anti-mesquinho e eu gosto muito disso. Tenho uma excelente relação com as pessoas com quem partilhei algum período da minha vida.
Foi bom ter sido mãe tão nova, aos 18 anos?
Há a lei da compensação na vida. Hoje é óptimo ter uma filha crescida [Inês] e com quem tenho uma empatia espectacular. Somos muito próximas, mas também há situações em que, por sermos novas, não temos maturidade.
Onde achou que podia ter sido melhor?
Foi o que foi possível. Não fico nos 'ses' nem nas culpabilidades. O que tento é viver sempre melhor o presente, mais consciente. Houve coisas boas e más, mas o resultado foi positivo. Falamos todos os dias, partilhamos ideias, pensamentos...
Mas o que a levou a tomar essa opção?
Também tenho uns pais [José e Clara] novíssimos. É pelo menos transgeracional este script [guião]. Só os meus filhos quebraram a regra, felizmente.
Fala mais da sua avó do que dos seus pais, como é a relação com eles?
É óptima e sempre foi. São pessoas que nunca viram os filhos como prolongamentos, sempre foram muito autónomos de nós.
Como foi a sua infância?
Muito criativa. O meu pai é muito criativo, é arquitecto. A minha mãe é psicóloga e, depois, tenho uma família cheia de compositores.
É uma das perguntas mais comuns sobre si: recorreu ao botox nos lábios?
Não. Basta ver as minhas fotografias de infância (risos).
Pratica exercício físico?
Sim, pratico, gosto de Pilates. Também somos corpo, é o que nos mantém até ao fim. Se o trabalharmos, dependeremos menos dos outros.
É fã da cirurgia estética?
Nós vivemos na cultura do novo, bonito e rico, cada vez mais, com consequências graves. Não vejo mal nenhum nas pessoas que querem corrigir um nariz torto ou possam melhorar alguma coisa, mas devem apostar na boa psicoterapia e preencherem-se mais por dentro do que estarem à procura de corrigir por fora os vazios internos.
Mas o mundo onde trabalha, a televisão, é implacável com a beleza.
Felizmente não é como os bailarinos, que têm uma carreira curta.
Ainda há papéis para velhos... mas são menos.
Até eles têm de obedecer a padrões.
Espero que leve uma volta. Acho admirável que a Simone de Oliveira não se tenha submetido a cirurgias. O mundo está cheio de coisas terríveis e temos de lutar contra elas.
Em que é que gostava de ver isto mudado?
A maneira como as pessoas se tratam a si próprias. Eu acredito no indivíduo e tenho esperança de que, individualmente, façam por melhorar. Esta consciência que tenho de que o dia pode ser sempre o último momento torna a vida muito mais sagrada e interessante. Gosto de arriscar tudo.
Qual foi o maior risco?
Tantos... não há um maior. Não faço planos, é um risco.
Pedir um empréstimo é fazer um plano...
Nunca pedi (risos). Essa coisa das pessoas que estão preocupadas com a vida e com o futuro... A minha avó vive assim, o momento!
Está a escrever um livro...
Isso mesmo, estou a escrevê-lo. Não é um plano.
Foi educada assim?
Tem que ver com uma vida familiar e não vou falar de outras pessoas.